sexta-feira, 18 de maio de 2012

A LIÇÃO DE NICODEMOS

Em face dos novos ensinamentos de Jesus, todos os fariseus do templo se tomavam de inexcedíveis cuidados, pelo seu estremado apego aos textos antigos. O Mestre, porém, nunca perdeu ensejo de esclrecer as situações mais difíceis com a luz da verdade que a sua palavra divina trazia ao pensamento do mundo. Grande número dedoutores não conseguia acultar o seu descontentamento, porque, não obstante suas atividades derrotistas, continuavam as ações generosas de Jesus beneficiando os aflitos e os sofredores. Discutiam-se os novos princípios, no grande templo de Jerusalém, nas suas praças públicas e nas sinagogas. Os mais humildes e pobres viam no Messias o Emissário de Deus, cujas mãos repartiam em abundância os bens da paz e da consolação. As personalidades importantes temiam-no.
É que o Profeta não se deixava seduzir pelas grandes promessas que lhe faziam com referência ao seu futuro material. Jamais temperava a sua palavra de verdade com as conveniências do comodismo da época. Apesar de magnânimo para com todas as faltas alheias, combatia o mal com tão intenso ardor, que para logo se fazia objeto de hostilidade para todas as intenções inconfessáveis. Mormente em Jerusalém que, com o seu cosmopolitismo, era um expressivo retrato do mundo, as idéias do Senhor acendiam as mais apaixonadas discussões. Eram populares que se entregavam à apologia franca da doutrina de Jesus, servos que o sentiam com todo o calor do coração reconhecido, sacerdotes que o combatiam abertamente, convencionalistas que não o toleravam, indivíduos abastados que se insurgiam contra os seus ensinos.
Todavia, sem embargo das dissensões naturais que precedem o estabelecimento definitivo das idéias novas, alguns espíritos acompanham o Messias, tomados de vivo interesse pelos seus elevados princípios. Entre estes, figurava Nicodemos, fariseu notável pelo coração bem formado e pelos dotes da inteligência.


Assim, uma noite, ao cabo de grandes preocupações e longos raciocínios, procurou a Jesus, em particular, seduzido pela magnanimidade de suas ações e pela grandeza de sua doutrina salvadora. O Messias estava acompanhado apenas de dois dos seus discípulos e recebeu a visita com sua bondade costumeira.


Após a saudação habitual e revelando as suas âncias de conhecimento, depois de fundas meditações, Nicodemos dirigiu-se-lhe respeitoso.


- Mestre, bem sabemos que vinde de Deus, pois somente com a luz da assistência divina poderíeis realizar o que tendes efetuado, mostrando o sinal do Céu em vossas mãos. Tenho empregado a minha existência em interpretar a lei, mas desejava receber a vossa palavra sobre os recursos de que deverei lançar mão para conhecer o Reino de Deus.


O Mestre sorriu bondosamente e esclareceu:


- Primeiro que tudo, Nicodemos, não basta que tenhas vivido a interpretar a lei. Antes de raciocinar sobre as suas disposições, deverias ter-lhe sentido os textos. Mas, em verdade devo dizer-te que ninguém conhecerá o Reino do Céu, sem não nascer de novo.


- Como pode um homem nascer de novo, sendo velho? - Interrogou o fariseu, altamente surpreendido. Poderá, porventura, regressar ao ventre de sua mãe?


O Messias fixou nele os olhos calmos, consciente da gravidade do assunto em foco, e acresentou:


- Em verdade, reafirmo-te ser indispensável que o homem nasça e renasça, para conhecer plenamente a luz do Reino!...


- Entretanto, como pode isso ser? - Perguntou Nicodemos, perturbado.


- És mestre em Israel e ignoras essas coisas? - inquiriu Jesus, como que surpreendido. - É natural que cada um somente testifique aquilo de que saiba; porém precisamos considerar que tu ensinas. Apesar disso, não aceitas os nossos testemunhos. Se falando eu de coisas terrenas sentes dificuldades em compreendê-las com os teus racioncínios sobre a lei, como poderás aceitar as minhas afirmativas quando eu disser das coisas celestiais? Seria loucura destinar os alimentos apropriados a um velho para o organismo frágil de uma criança.


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Jerusalém quase dormia sob o véu espesso da noite alta. Silêncio profundo se fizera sobre a cidade. Jesus, no entanto, e aqueles dois discípulos continuavam presos à conversação particular que haviam entabulado. Desejavam eles ardentemente penetrar o sentido oculto das palavras do Mestre. Como seria possivel aquele renascimento? Não obstante os seus conhecimentos, também partilhavam da perplexidade que levara Nicodemos a se retirar fundamente surpreendido.


- Por que tamanha admiração, em faces dessas verdades? perguntou-lhes Jesus, bondosamente. - As árvores não renascem depois de podadas? Com respeito aos homens, o processo é diferente, mas o espírito de renovação é sempre o mesmo. O corpo é uma veste. O homem é seu dono. Toda roupagem material acaba rota, porém o homem, que é filho de Deus, encontra sempre em seu amor os elementos necessários a mudança do vestuário. A morte do corpo é essa mudança indispensável, porque a alma caminhará sempre, através de outras experiências, até que consiga a imprescindível provisão de luz para a estrada definitiva no Reino de Deus, com toda a perfeição conquistada ao longo dos rudes caminhos.


André sentiu que uma nova compreensão lhe felicitava o espírito simples e perguntou:


- Mestre, já que o corpo é como que a roupa material das almas, por que não somos todos iguais no mundo? Vejo belos jovens, junto de aleijados e paralíticos.


- Acaso não tenho ensinado - disse Jesus que tem de chorar todo aquele que se transforma em instrumento de escândalo? Cada alma conduz consigo mesma o inferno ou o Céu que edificou no âmago da consciência. Seria justo conceder-se uma segunda veste mais perfeita e mais bela ao espírito rebelde que estragou a primeira? Que diríamos da sabedoria de nosso Pai, se facultasse as possibilidades mais preciosas aos que as utilizaram na véspera para o roubo, o assassínio, a destruição? Os que abusaram da túnica da riqueza vestirão depois as dos fâmulos(criado) e escravos mais humildes, como as mãos que feriram podem vir a ser cortadas.


- Senhor, compreendo agora o mecanismo do resgate - murmurou Tiago, externando a alegria do seu entendimento - Mas observo que, desse modo, o mundo precisará sempre do clima do escândalo e do sofrimento, desde que o devedor, para saldar seu débito, não poderá fazê-lo sem que outro lhe tome o lugar com a mesma dívida.


O Mestre apreendeu a amplitude da objeção e esclareceu aos discípulos, perguntando:


- Dentro da lei de Moisés, como se verifica o processo de redenção?


Tiago meditou um instante e respondeu:


- Também na lei esté escrito que o homem pagará "olho por olho, dente por dente".


-Também tu, Tiago, estás procedendo como Nicodemus - replicou Jesus com generoso sorriso. - Como todos os homens, aliás, tens raciocinado, mas não tens sentido. Ainda não ponderaste, talvez, que o primeiro mandamento da Lei é uma determinação de amor. Acima do "não adulterarás", do "não cobiçaras", está o "amar a Deus sobre todas as coisas, de todo o coração e de todo o entendimento". Como poderá alguém amar o Pai, aborrecendo-lhe a obra? Contudo, não estranho a exiqüidade de visão espiritual com que examinaste o texto dos profetas. Todas as criaturas hão feito o mesmo. Investigando as revelações do Céu com o egoísmo que lhes é próprio, organizaram a justiça como o edifício mais alto do idealismo humano. E, entretanto, coloco o amor acima da justiça do mundo e tenho ensinado que só ele cobre a multidão dos pecados. Se nos prendemos à lei de talião, somos obrigados a reconhecer que onde existe um assassínio haverá, mais tarde, um homem que necessita  ser assassinado; com a lei do amor, porém, compreendemos  que o verdugo e a vítima são dois irmãos, filhos do mesmo Pai. Basta que ambos sintam isso para que a fraternidade divina afaste os fantasmas do escândalo e do sofrimento.


                                                    . . .


Ante as elucidações do Mestre, os dois discípulos estavam maravilhados. Aquela lição profunda esclarecia-os para sempre.


Tiago, então, aproximou-se e sugeriu a Jesus que proclamasse aquelas verdades novas na pregação do dia seguinte. O Mestre dirigiu-lhe um olhar de admiração e interrogou:


- Será que não compreendeste? Pois, se um doutor da lei saiu daqui sem que eu lhe pudesse explicar toda a Verdade, como queres que proceda de modo contrário, para com a compreenção simplista do espírito popular? Alguém constrói uma casa iniciando pelo teto o trabalho? Além disso, madarei mais tarde o Consolador, a fim de esclarecer e dilatar os meus ensinos.


Eminentemente impressionado, André e Tiago calaram as derradeiras interrogações. Aquela palestra particular, entre o Senhor e os discípulos, permaneceria guardada na sombra leve da noite em Jerusalém, mas a lição de Nicodemos estava dada. A Lei da Reencarnação estava proclamada para sempre, no Evangelho do Reino.




(Livro "BOA NOVA"  - Chico e Humberto de Campos) 



FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

Se procuras ensejo para realizar-te,
em matéria de paz e felicidade, age e serve sempre.

Emmanuel

FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO (ESE)