terça-feira, 10 de março de 2009

Ensinamentos e Dissertações

Revista Espírita, fevereiro de 1862

(Bordeaux, Médium, senhora Cazemajoux.)

A fé.

Eu sou a irmã mais velha da Esperança e da Caridade, chamo-me a Fé.

Sou grande e forte; aquele que me possui não teme nem o ferro e nem o fogo: é a prova
de todos os sofrimentos físicos e morais. Irradio sobre vós com um faixo cujos jatos
faiscantes se refletem no fundo dos vossos corações, e vos comunica a força e a vida. Dizse
entre vós que ergo as montanhas, e eu vos digo: venho erguer o mundo, porque o
Espiritismo é a alavanca que deve me ajudar. Uni-vos, pois, a mim, eu sou a Fé.

Eu sou a Fé! Habito, com a Esperança, a Caridade e o Amor, o mundo dos puros Espíritos;
freqüentemente, deixei as regiões etéreas, e vim sobre a Terra para vos regenerar, dandovos
a vida do Espírito; mas, à parte os mártires dos primeiros tempos do Cristianismo, e
alguns fervorosos sacrifícios, de longe em longe, ao progresso da ciência, das letras, da
indústria e da liberdade, não encontrei, entre os homens, senão indiferença e frieza, e
retomei tristemente meu vôo para os céus; vós me crieis em vosso meio, mas vos
enganastes, porque a Fé sem as obras é uma aparência de Fé; a verdadeira Fé é a vida e a
ação.

Antes da revelação do Espiritismo, a vida era estéril, era uma árvore seca pelos estrondos
do raio que não produzia nenhum fruto. Não se me reconhecia pelos meus atos: eu ilumino
as inteligências, aqueço e fortaleço os corações; expulso para longe de vós as influências
enganadoras e vos conduzo a Deus pela perfeição do espírito e do coração. Vinde vos
alinhar sob minha bandeira, sou poderosa e forte: eu sou a Fé.

Eu sou a Fé, e o meu reino começa entre os homens; reino pacífico que vai torná-los felizes
para o tempo presente e para a eternidade. A aurora de meu advento entre vós é pura e
serena; seu sol será resplandescente, e seu deitar virá docemente embalar a Humanidade
nos braços das felicidades eternas. Espiritismo! Derrama sobre os homens o teu batismo
regenerador; faço-lhes um apelo supremo: eu sou a Fé.

GEORGES, Bispo de Périgueux.

A Esperança.

Eu me chamo a Esperança; sorrio à vossa entrada na vida; eu vos sigo passo a passo, e
não vos deixo senão nos mundos onde se realizam, para vós, as promessas de felicidade
que ouvis, sem cessar, murmurar aos vossos ouvidos. Eu sou vossa fiel amiga; não repilais
minhas inspirações: eu sou a Esperança.

Sou eu que canto pela voz do rouxinol e que lança aos ecos das florestas essa notas
lamentosas e cadenciadas que vos fazem sonhar com os céus: sou eu quem inspira à
andorinha o desejo de aquecer seus amores ao abrigo de vossas moradas; eu brinco na
brisa leve que acaricia os vossos cabelos; eu derramo aos vossos pés os perfumes suaves
das flores de vossos canteiros, e é com dificuldade que dais um pensamento a esta amiga
que vos é tão devotada! Não a repilais: é a Esperança.

Eu tomo todas as formas para me aproximar de vós: eu sou a estrela que brilha no azul, o
quente raio de sol que vos vivifica; embalo vossas noites de sonhos ridentes; expulso para
longe de vós a negra inquietação e os pensamentos sombrios; guio vossos passos para o
caminho da virtude; acompanho-vos em vossas visitas aos pobres, aos aflitos, aos
moribundos e vos inspiro as palavras afetuosas que consolam; não me repilais: eu sou a
Esperança.

Eu sou a Esperança! sou eu que, no inverno, faço crescer sobre a crosta dos carvalhos os
musgos espessos dos quais os pequenos pássaros constróem seu ninho; sou eu que, na
primavera, corôo a macieira e a amendoeira de suas flores brancas e rosas, e as derramo
sobre a terra como uma juncada celeste que faz aspirar aos mundos felizes; estou
sobretudo convosco quando sois pobres e sofredores; minha voz ressoa, sem cessar, em
vossos ouvidos; não me repilais: eu sou a Esperança.

Não me repilais, porque o anjo do desespero me faz uma guerra obstinada e se esgota em
vãos esforços para me substituir junto de vós; não sou sempre a mais forte e, quando ele
chega a me afastar, vos envolve com suas asas fúnebres, desvia os vossos pensamentos de
Deus e vos conduz ao suicídio; uni-vos a mim para afastar sua funesta influência e deixaivos
embalar docemente em meus braços, porque eu sou a Esperança.

FELICIA. Filha do médium.

A Caridade

Eu sou a Caridade; sim, a verdadeira Caridade; não me pareço em nada com a caridade da
qual seguis as práticas. Aquela que usurpou meu nome, entre vós, é fantasiosa, caprichosa,
exclusiva, orgulhosa, e venho vos premunir contra os defeitos que delustram, aos olhos de
Deus, o mérito e o brilho de suas boas ações. Sede dóceis às lições que o Espírito de
Verdade vos faz dar por minha voz; segui-me, meus fiéis: eu sou a Caridade.

Segui-me; conheço todos os infortúnios, todas as dores, todos os sofrimentos, todas as
aflições que assediam a Humanidade. Eu sou a mãe dos órfãos, a filha dos velhos, a
protetora e o sustento das viuvas; eu trato das feridas infectas; eu cuido de todas as
enfermidades; eu dou as vestes, o pão e um abrigo àqueles que não os têm. Eu subo aos
mais miseráveis sótãos, na humilde choupana; bato à porta dos ricos e dos poderosos,
porque, por toda a parte onde vive uma criatura humana, há sob a máscara da felicidade
amargas e cruciantes dores. Oh! Quanto minha tarefa é grande! Não posso bastar para
cumpri-la se não vierdes em minha ajuda; vinde a mim: eu sou a Caridade.

Eu não tenho preferência por ninguém; não digo jamais àqueles que têm necessidade de mim: 'Tenho meus pobres, dirigi-vos para outra parte". Oh! Falsa caridade, quanto mal
fazes! Amigos, nos devemos a todos; crede-me! não recuseis vossa assistência a ninguém;
socorrei-vos uns aos outros com bastante desinteresse para não exigir nenhum
reconhecimento da parte daqueles que tiverdes socorrido. A paz do coração e da
consciência é a doce recompensa de minhas obras: eu sou a verdadeira Caridade.
Ninguém conhece, sobre a Terra, o número e a natureza de meus benefícios; só a falsa
caridade fere e humilha aquele que ela alivia. Guardai-vos desse funesto desvio; as ações
desse gênero não têm nenhum mérito junto a Deus, e atraem sobre vós sua cólera. Só ele
deve saber e conhecer os impulsos generosos de vossos corações, quando vos fazeis os
dispensadores de seus benefícios. Guardai-vos, pois, amigos, de dar publicidade à prática
da assistência mútua. Não mais lhe deis o nome de esmola; crede em mim: Eu sou a
Caridade.

Tenho tantos infortúnios a aliviar que, freqüentemente, tenho os seios e as mãos vazias;
venho vos dizer que espero em vós. O Espiritismo tem por divisa: Amor e Caridade, e todos
os verdadeiros espíritas virão, no futuro, se ajustar a este sublime preceito pregado pelo
Cristo, há dezoito séculos. Segui-me, pois, irmãos, e vos conduzirei no reino de Deus, nosso
Pai. Eu sou a Caridade.

ADOLPHE, Bispo de Argélia.

Instruções dadas pelos nossos guias a
respeito das três comunicações acima.

Meus caros amigos, devestes crer que era um de nós que vos havia dado esses
ensinamentos sobre a fé, a esperança e a caridade, e teríeis razão. Felizes de ver Espíritos
superiores vos dar, tão amiúde, conselhos que devem vos guiar em vossos trabalhos
espirituais, nós com isso não sentimos menos uma alegria doce e pura quando vimos ajudálos
na tarefa de vosso apostolado espírita.

Podeis, pois, atribuir ao Espírito do Sr. Georges, a comunicação da Fé; a da Esperança à
Félicia: nela encontrareis o estilo poético que tinha durante a sua vida; a da Caridade ao Sr.
Dupuch, bispo da Argélia, que foi, sobre a Terra, um de seus fervorosos apóstolos.

Temos ainda que vos fazer tratar a caridade de um outro ponto de vista; nós o faremos em
alguns dias.

VOSSOS GUIAS.

Esquecimento das injúrias

(Sociedade Espírita de Paris. - Médium, senhora Costel.)

Minha filha, o esquecimento das injúrias é a perfeição da alma, como perdão das ofensas
feitos à vaidade é a perfeição do Espírito. Foi mais fácil a Jesus perdoar os ultrajes de sua
Paixão quanto não é fácil, ao último dentre vós, perdoar uma leve zombaria. A grande alma
do Salvador, habituada à doçura, não concebia nem a amargura nem a vingança; os nossos, obtendo o que é pequeno, esquecem o que é grande. Cada dia os homens imploram
o perdão de Deus que desce sobre eles como benfazejo orvalho; mas seus corações
esquecem essa palavra, sem cessar repetida na prece. Eu vos digo, em verdade, o fel
interior corrompe a alma; é a pedra pesada que a fixa ao solo e retém a sua elevação.

Quando sois censurados, reentrai em vós mesmos; examinai vosso pecado interior: aquele
que o mundo ignora; medi a sua profundidade, e curai vossa vaidade pelo conhecimento de
vossa miséria. Se, mais grave, a ofensa alcança o coração, lamentai o infeliz que a comete,
como lamentais o ferido cuja ferida aberta deixa correr o sangue: a piedade é devida àquele
que aniquila seu ser futuro. Jesus, no jardim das Oliveiras, conheceu a dor humana, mas
ignorou sempre as asperezas do orgulho e as mesquinharias da vaidade; encarnou-se para
mostrar aos homens o tipo da beleza moral que deveria lhe servir de modelo: dela não vos
afasteis nunca. Modelai vossas almas como a cera mole, e fazei com que vossa argila
transformada torne-se um mármore imperecível que Deus, o grande escultor, possa
assinar.

LÁZARO.

Sobre os instintos

(Sociedade Espírita de Paris. - Médium, senhora Costel).

Eu te ensinarei o verdadeiro conhecimento do bem e do mal que o Espírito confunde tão
freqüentemente. O mal é a revolta dos instintos contra a consciência, esse tato interior e
delicado que é o toque moral. Quais são os limites que os separam do bem que costeia por
toda a parte? O mal não é complexo: ele é um, e emana do ser primitivo que quer a
satisfação do instinto às expensas do dever. O instinto, primitivamente destinado a
desenvolver no homem animal o cuidado de sua conservação e de seu bem-estar, é a única
origem do mal; porque, persistindo mais violento e mais áspero em certas naturezas,
impele-os a se apoderar do que desejam ou a concentrar o que possuem. O instinto, que os
animais seguem cegamente, e que lhes é a própria virtude, deve ser, sem cessar,
combatido pelo homem que quer se elevar e substituir o grosseiro instrumento da
necessidade pelas armas finamente cinzeladas da inteligência. Mas, pense, o instinto não é
sempre mal, e, freqüentemente, a Humanidade lhe deve sublimes inspirações, por exemplo,
na maternidade e em certos atos de devotamento, onde substitui, segura e prontamente, a
reflexão.

Minha filha, tua objeção é precisamente a causa do erro, na qual caem os homens prontos a
menosprezarem a verdade sempre absoluta em suas conseqüências. Quaisquer que possam
ser os bons resultados de uma causa má, os exemplos não devem nunca fazer concluir
contra as premissas estabelecidas pela razão. O instinto é mau, porque é puramente
humano e a Humanidade não deve pensar que se deve despojar, ela mesma, deixar a carne
para se elevar ao Espírito; e se o mal costeia o bem, é porque seu princípio,
freqüentemente, tem resultados opostos a si mesmo que o fazem menosprezar pelo homem
leviano e levado pela sensação. Nada de verdadeiramente bem pode emanar do instinto:
um sublime impulso não é mais o devotamento do que uma inspiração isolada não é o
gênio. O verdadeiro progresso da Humanidade é a sua luta e seu triunfo contra a própria
essência de seu ser. Jesus foi enviado sobre a Terra para prová-la humanamente. Pôs a
descoberto, bela fonte enterrada na areia da ignorância. Não perturbeis a limpidez da divina
bebida com os compostos do erro. E, crede-o, os homens que não são bons e devotados
senão instintivamente, o são mal; porque sofrem uma cega dominação que pode, de
repente, precipitá-los no abismo.

LÁZARO.

Nota. Apesar de todo o nosso respeito pelo Espírito de Lázaro, que nos tem dado, tão
freqüentemente, belas e boas coisas, nos permitimos não ser de sua opinião sobre estas
últimas proposições. Pode-se dizer que há duas espécies de instintos: o instinto animal e o
instinto moral. O primeiro, como o diz muito bem Lázaro, é orgânico; é dado aos seres
vivos para a sua conservação e a de sua prole; é cego, e quase inconsciente, porque a
Providência quis dar um contrapeso à sua indiferença e à sua negligência. Não ocorre o
mesmo com o instinto moral que é o privilégio do homem; pode-se defini-lo assim:
Propensão inata para fazer o bem ou o mal; ora, essa propensão prende-se ao estado de
adiantamento, maior ou menor, do Espírito. O homem cujo Espírito já está depurado, faz o
bem sem premeditação e como uma coisa muito natural, e é por isso que se admira sendo
louvado. Não é, pois, justo dizer que "os homens que não são bons e devotados senão
instintivamente, o são mal, e sofrem uma cega dominação que pode, de repente, precipitálos
no abismo". Aqueles que são bons e devotados instintivamente denotam um progresso
realizado; aqueles que o são com intenção, o progresso está em vias de se cumprir, é
porque há trabalho, luta, entre dois sentimentos; no primeiro a dificuldade está vencida; no
segundo, é preciso vencê-la; o primeiro é como o homem que sabe ler e lê sem dificuldade,
e quase sem disso desconfiar; o segundo é como aquele que soletra. Um, por ter chegado
mais cedo, tem, pois, menos mérito do que o outro?

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FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

Se procuras ensejo para realizar-te,
em matéria de paz e felicidade, age e serve sempre.

Emmanuel

FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO (ESE)